Com a reforma tributária, o pequeno empresário brasileiro precisará responder a uma pergunta essencial: ficar no Simples para pagar menos impostos ou sair para continuar competitivo?
O Simples Nacional é uma modalidade de regime tributário que unifica a arrecadação de vários impostos federais, estaduais e municipais (IRPJ, CSLL, PIS, Cofins, IPI, INSS Patronal, ICMS e ISS) em uma única guia de pagamento, chamada DAS (Documento de Arrecadação do Simples Nacional). O principal objetivo, como diz o nome, é simplificar a burocracia e reduzir a carga tributária para pequenos negócios – microempresas com faturamento até R$ 360 mil e empresas de pequeno porte com faturamento de até R$ 4,8 milhões anuais.
Segundo dados da Receita Federal, 28,6% das empresas brasileiras estão incluídas neste regime fiscal.
Mas o que era para ser simples deixará de ser com a reforma tributária que entra em vigor em 1º de janeiro de 2026. Com a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), principalmente quem atua vendendo direto para outras empresas estará às voltas com uma nova dinâmica na hora de definir o seu regime tributário. A escolha que hoje é feita com base em fatores como tradição, praticidade e conforto passará a depender de dados, estratégia, concorrência e inteligência tributária. A opção pelo regime de tributação mais conveniente exigirá cálculos complexos que devem levar em conta desde o valor do imposto a ser recolhido até a formação do preço dos produtos e serviços. E tudo isso por um motivo: créditos tributários.
– O jogo mudou. O crédito é a nova moeda – afirma o advogado Carlos Pinto, diretor do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), entidade que desde 1992 realiza estudos e pesquisas na área tributária.
Créditos tributários são valores que um contribuinte pode recuperar ou compensar caso tenha pago impostos indevidamente ou a mais. O objetivo desse sistema é evitar a chamada tributação em cascata, em que um imposto incide sobre outro já recolhido. Com a reforma tributária, será adotado um modelo de não cumulatividade plena (característica dos impostos de valor agregado, como o que será implantado no Brasil). Com isso, praticamente todas as aquisições de bens e serviços relacionados à atividade econômica de uma empresa gerarão direito a crédito tributário.
Ocorre que, ao contrário das empresas que optam pelos regimes de Lucro Presumido e Lucro Real, as do Simples Nacional não geram esses créditos integralmente para seus clientes. Pinto acredita que essa limitação levará muitas empresas, especialmente as maiores, a preferir fornecedores que geram crédito tributário, escolhendo aqueles que saírem do Simples ou aderirem ao novo regime híbrido que será criado.
O sistema híbrido é uma das alterações que trará maior impacto com a reforma tributária. Ele permitirá que as pequenas e microempresas possam tributar a integralidade do IBS e da CBS “por fora” do Simples Nacional, gerando crédito para seus clientes. Atualmente, uma empresa optante pelo Simples só pode recolher ICMS e ISS (impostos que serão substituídos pelo IBS e pela CBS) fora do DAS se o faturamento anual ultrapassar o limite do R$ 3,6 milhões. Isso afetará diretamente a política de fixação de preços de produtos e serviços, o pagamento de fornecedores e as formas de recebimento, que terão de ser revistos.
– O que antes era uma decisão contábil agora passa a ser estratégia de sobrevivência – observa Pinto.
Tributar o IBS e a CBS por fora permitirá que as empresas do Simples disponibilizem um percentual maior de crédito tributário para seus clientes, o que pode se tornar uma vantagem competitiva. Mas não necessariamente, observa o contador Lucas Schnorr, diretor do escritório de contabilidade Contex. Hoje, diz ele, grande parte das empresas tem como critério escolher apenas fornecedores que lhe geram créditos tributários.
– Só que muitas vezes a carga tributária do Simples é menor do que de uma empresa geral, o que lhe dá competitividade por ter um preço melhor do produto. O que realmente deveria importar para uma empresa é a que custo determinada mercadoria está entrando no seu estoque – afirma.
Essa situação só reforça a necessidade de planejamento tributário, que sempre foi importante, mas com a reforma se tornou quase uma questão de sobrevivência para muitas empresas. Conforme pesquisa do IBPT, mais de 70% das empresas do Simples atuam na cadeia intermediária da economia – ou seja, vendem para outras empresas. São justamente essas que correm o maior risco de perder contratos e competitividade se não fizerem um bom planejamento. De fato, comprar e vender pode exigir um cálculo diferente para cada fornecedor e cliente, tornando ainda mais complexo o manicômio que é o sistema tributário brasileiro.
– É melhor adquirir uma mercadoria por um preço mais caro, mas com determinado crédito tributário, ou de uma empresa do Simples, que oferece um produto mais barato, mas com crédito menor? Qual realmente vai valer a pena? A resposta vai exigir matemática, fazer as contas na ponta do lápis. Quem vende, para calcular o preço da forma correta, com a tributação que está enquadrada. Quem compra, para poder avaliar com base no preço e no crédito que está adquirindo – diz Lucas.
Embora as principais mudanças no Simples Nacional só vão vigorar a partir de 2027, algumas modificações já acontecerão em 2026. Uma das mais relevantes é no prazo para formalizar a opção pelo Simples. Pela legislação atual, as pequenas e microempresas devem optar ou não pelo regime simplificado uma única vez ao ano, em janeiro. A escolha tem validade para todo o ano-calendário. Com a reforma tributária, e já visando a entrada em vigor do CBS e do IBS em janeiro de 2027, as pequenas e microempresas terão uma segunda oportunidade de fazer essa opção, em setembro de 2026.
O propósito é permitir que as empresas entrem em 2027 já tendo analisado e planejado junto a clientes e fornecedores a conveniência de tributar seus impostos pelo sistema atual (DAS), ou pelo híbrido, ou ainda preferindo adotar o regime de Lucro Real ou Presumido. Para Pinto, do IBPT, nos próximos meses o pequeno empresário brasileiro precisará responder a uma pergunta essencial: ficar no Simples e pagar menos impostos, ou sair para continuar competitivo?
Os números dirão.


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